18 de fev. de 2010

o inusitado que nos faz olhar pro outro


hoje, no centro da cidade, enquanto cumpria minha rotina de vaiaobanco/tiraextrato/pagacontas, passei em frente à uma papelaria. como tenho filho e estamos prestes a começar o ano escolar, parei pra dar uma sondada no preço dos cadernos. entrei, perguntei o preço e agradeci.

quando tô na porta da loja, um gurizinho que devia regular de idade com meu filho, dispara o tradicional "tia, me dá um troquinho?". rapidamente pensei: ué, mas aqui, na porta da papelaria? e porque não em frente à lancheria ou na saída do shopping? e tão rapidamente quanto, no impulso da resposta que geralmente (e infelizmente) dou, falei que estava em final de mês (sim, meu salário já está pensando que é final de mês) e o troquinho ficaria pra próxima. mas então, curiosa, perguntei: o que tu vai fazer com o troquinho, filho?

a resposta me abalou. não sei explicar se positiva ou negativamente, mas foi a surpresa mais supreendente (com perdão pelo trocadilho) que recebi. alguém já foi abordado por uma criança que te pediu troquinho pra comprar... caderno??? crianças de rua (ou na rua, não importa) já me pediram trocados pra comprar doce, bala, refri, pastel, até pra comprar cigarro. mas caderno? nunca vi.

fiquei tão estupefata com a resposta do guri que disse tchau e comecei a descer a rua. mas não consegui ir muito longe. a imagem do garotinho sentado na porta da livraria, com uma mochila estropiada no ombro e me pedindo dinheiro pra comprar "caderno", martelava na minha cabeça. dei meia volta. sentei na porta a loja. conversei com ele. olhei nos olhos. ele olhou nos meus. perguntei se estudava, série, colégio, essas coisas. respondeu todas as minhas perguntas com a candura de um anjo. tu é bom aluno? - perguntei. ao que ele me respondeu: quando tenho caderno, sou sim.

pronto. levantei e entramos na loja. tive paciência para esperar ele escolher a capa que mais gostou. as opções não eram muitas, mas ele olhou todos várias vezes. até que com um sorriso sincero, elegeu o cara que saltava de para-quedas. pagamos e nos despedimos. entre a capa do motoqueiro, do cara esquiando na neve, do jipe no rali e do carro de fórmula um, ele escolheu o salto de para-quedas. no fundo, acho que ele só queria voar...
segunda-feira vou às compras, com a enorme lista de material escolar do meu filho. vou escolher os cadernos com o mesmo carinho que tive com o garoto desconhecido hoje. são crianças. vou comprar seus cadernos e contar-lhe essa história, que tanto me tocou.

3 comentários:

James Pizarro disse...

Não vai faltar intelectualóide pra criticar que a tua atitude não foi "politicamente correta", que atos como esse "atrasam a revolução" e outras babaquices do gênero.
Parabéns pelo ato de misericórdia, de solidariedade que preencheu uma necessidade tão grande do menino com tão pouco de ti. Ninguém é tão rico que não precise de algo e nem tão pobre que não tenha algo pra dar.
Se o governo, politicos, autoridades e outros FDPs não fazem a sua parte, parabéns pelo teu gesto maternal. Tu és uma mulher que ainda guarda, no recôndito das tuas glândulas, o dom do mistério que só as mulheres possuem.
Se os Arrudas da vida não roubassem tanto, todos os meninos pobres do Brasil teriam cadernos emnúmero suficiente.
Beijo

James Pizarro

Anônimo disse...

Lindo, Ana! Amei. Beijoenooooorme p ti,
D.

nixon vermelho disse...

que esse menino tenha sorte na vida e que com esse caderno ele possa ter um pouco de dignidade.
é uma pena que esse tipo de ato ainda seja necessário, mas como lulas, arrudas, yedas, dilmas e serras não se importam com uma criança e a nossa democracia seja apenas uma demagogia, que seu ato ajude esse menino na vida.